Sem conseguir operar no SUS, Cássio precisou pagar por um tratamento hormonal | Imagem: Arquivo Pessoal
O agente de viagens Cássio De Paula Gouveia, 50, começou a sentir dores no corpo e procurou ajuda médica em novembro do ano passado. O diagnóstico de câncer de próstata saiu apenas em fevereiro, quando a pandemia chegava ao Brasil. De repente, os exames foram adiados e a cirurgia não veio. A doença não esperou. Ela chegou a meados de maio já em metástase óssea, atingindo pernas e região cervical.
A história de Cássio não é exceção. Apenas em abril, 50 mil brasileiros não tiveram acesso a diagnóstico e tratamento para o câncer. Ficaram sem radioterapia, quimioterapia e sem a possibilidade de operar: de acordo com a SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica), a pandemia de covid-19 cancelou 70% das cirurgias de câncer no Brasil entre 11 de março e 11 de maio, o equivalente a 116 mil procedimentos.
“Quando finalmente consegui uma consulta para triagem no Instituto do Câncer (SP), em março, o martírio começou”, lembra Cássio. “Os exames foram para o final de abril e a consulta para o tratamento foi jogada para 4 de maio, mas eu já deveria ter sido operado. Questionei o rapaz da recepção, e ele disse que estão segurando tudo por causa da pandemia”, relata.
Cirurgias mais adiadas De acordo com a pesquisa, realizada em conjunto com a SBP (Sociedade Brasileira de Patologia), as cirurgias mais adiadas são as de colo retal, mama, estômago, pâncreas e pulmão.
“As menos afetadas são as operações pouco invasivas, como a do câncer de pele não melanoma, mama inicial ou colorretal inicial”, afirma o cirurgião Alexandre Ferreira Oliveira, presidente da SBCO. “Mas todo caso tem de ser discutido com o cirurgião.”
O levantamento também mediu a redução dos diagnósticos desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil. Para alguns tipos de exame a queda foi de 30%, para outros, de 90%, com média de 50%. São 50 mil diagnósticos a menos por mês desde o início da pandemia”, diz Clóvis Klock, presidente do Conselho Consultivo da SBP e médico patologista.
A pandemia também reduziu o número de diagnósticos e cirurgias oncológicas no Reino Unido, o que deve resultar em aumento de “pelo menos 20% na mortalidade”, de acordo com um estudo publicado em abril no British Medical Journal. No Brasil, 224 mil pessoas morreram de câncer em 2019, de acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer).
“Como a saúde pública no Reino Unido é mais eficiente do que a brasileira, é possível que esse percentual seja ainda maior por aqui”, diz Oliveira, da SBCO. Se for proporcional, esse acréscimo giraria em torno de 44.800 óbitos em relação ao ano passado.
Sem tratamento na fase inicial, a gente teme uma epidemia de câncer em estágio avançado no Brasil. As chances de cura vão cair e o tratamento será paliativo “A falta de atendimento irá gerar um número de casos em estágios ainda mais avançados depois da pandemia”, concorda a presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), que em uma pesquisa própria registrou cancelamento de 32% das consultas, 23% de cirurgias e 16% de exames de diagnóstico. “Pacientes que não podem recorrer a serviços particulares não têm outra opção a não ser esperar.”
Por que exames e cirurgias diminuíram?
As cirurgias e exames oncológicos caíram durante a pandemia por diversas razões. Há médicos e enfermeiros em quarentena, serviços de diagnóstico fecharam as portas para isolamento, enquanto muitos hospitais reservaram seus leitos para atender casos de covid-19.
Além disso, muita gente não procura ajuda por medo de entrar em hospitais durante a pandemia. “Isso lá na frente será catastrófico. Perderemos muitas pessoas”, acredita Oliveira.
Klock conta o caso de uma paciente que demorou demais para procurar um médico. “Ela deveria ter sido operada há seis semanas, mas chegou agora com o colo do útero em necrose.”
O presidente da SBCO acredita que será preciso aumentar os turnos de trabalho para dar conta da demanda após a pandemia. “Além de acumular os casos que a gente pegou inicialmente, vamos tratar os avançados. Precisaremos trabalhar à noite e nos finais de semana”, diz.
UOL
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