Embora o coronavírus afete os idosos de maneira mais agressiva, eles não são mais o grupo em que se registra a maior parte dos novos óbitos pela doença no Brasil
Embora a maioria das vítimas do covid-19 sejam idosos, pela
primeira vez desde o início da pandemia a maior parte dos novos óbitos
registrados no País não ocorre neste grupo. Dados tabulados pelo Estadão
no Sivep-Gripe, sistema do Ministério da Saúde que registra internações
e óbitos por covid, mostram que 54,4% das vítimas mortas em junho
tinham menos de 60 anos. Em maio, esse índice era de 44,6%. Em todos os
meses do ano passado, esse porcentual ficou sempre abaixo dos 30%.
O início da vacinação dos idosos em janeiro ajuda a explicar o
fenômeno, mas não é a única razão. Segundo especialistas, o desrespeito a
medidas de proteção e a disseminação de novas cepas — potencialmente
mais agressivas — podem estar causando maior vitimização de jovens. O
alerta vale para adultos que não possuem comorbidades. A proporção de
vítimas sem fatores de risco, ou seja, menores de 60 anos e sem nenhuma
doença crônica, mais do que dobrou desde os primeiros meses. De acordo
com o levantamento do Estadão, 20,7% de todos os mortos por covid em
junho tinham esse perfil. No mesmo mês do ano passado, esse índice foi
de 7,75%.
E, em números absolutos, já há nova tendência de
crescimento de vítimas entre pessoas de 0 a 59 anos a partir da semana
epidemiológica 20, que começou em 16 de maio. Ao mesmo tempo, a curva de
vítimas idosas vem mantendo queda sustentada. Enquanto em 2020 a
maioria das vítimas tinha mais de 70 anos, em junho de 2021 a mediana de
idade dos mortos é de 58.
A alta no número de jovens mortos na segunda onda da pandemia
também pode estar relacionada à dificuldade de acesso a uma unidade de
saúde ou ao colapso de hospitais. Análise feita pela reportagem, desta
vez calculando a taxa de óbitos por faixa etária em cada unidade da
federação, mostrou que Amazonas, Roraima e Rondônia registraram o índice
mais alto de óbitos por 100 mil habitantes entre a população com menos
de 40 anos.
"Os pacientes não procuram tanto a Unidade Básica de Saúde porque é
difícil o agendamento de consulta e por causa da falácia do tratamento
precoce", relata a médica Anne Menezes, especialista em clínica médica
no Hospital Delphina Aziz, de Manaus. O Amazonas, que viu sua capital
colapsar em janeiro por escassez de oxigênio, tem também a maior taxa
geral de óbitos por covid — 316,2 registros por 100 mil habitantes (a
média brasileira é de 216,6).
Somados todos os brasileiros vítimas da doença desde a chegada do
coronavírus ao país, os idosos continuam como maioria (70,1%). E cerca
de 10% dos 500 mil mortos pela doença não eram idosos nem doentes
crônicos, quase 50 mil brasileiros, portanto, perderam a vida mesmo sem
ser de grupo de risco. "Ter hoje um paciente acima de 70 anos na UTI é
raríssimo", conta Daniel Joelsons, médico intensivista e supervisor da
UTI de infectologia do HC-USP.
"Infelizmente, ainda convivemos com uma mortalidade alta, com a
perda de 2 mil brasileiros por dia por uma doença, o que é uma coisa
inadmissível na minha concepção como médico", diz Carlos Carvalho,
professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina da USP e
diretor da divisão de pneumologia do Instituto do Coração (Incor).
A diversidade de estragos que a covid-19 pode causar e a
imprevisibilidade da evolução da doença tornaram comuns também casos em
que o paciente chega a melhorar, mas tem uma piora repentina e acaba
morrendo. "Depois de um mês atendendo covid, parei de falar para os
familiares que o paciente está indo bem. Sempre falo que está melhor do
que ontem, mas que só vou ficar feliz quando ele sair da UTI", relata
Daniel Joelsons.
Carvalho explica que há dados na literatura médica mostrando que
até 25% dos pacientes que foram internados com covid morrem de
complicações da doença meses depois da alta. O índice observado em
outras doenças é de 10%.
Correio Brasiliense
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